Martha Medeiros - Trecho do livro divã

... Eu me conheço e ao mesmo tempo sei que posso me surpreender a qualquer momento.
        Tenho medo de não conseguir manter minhas ideias, meus pontos de vista, minhas escolhas. A minha cabeça, Lopes, é como um guarda que não permite que eu estacione em local algum. Eu fico dando voltas e voltas no meu cérebro e quando encontro uma vaga para ocupar, o guarda diz: circulando, circulando... Você está me entendendo? Eu não tenho uma área de repouso. Raramente desligo, e quando isto acontece, não dá nem tempo de o motor esfriar.
        Não é por outra razão que estou aqui há cinco meses, tentando colocar ordem nestas ideias que vivem em trânsito. Não chego a temer loucura, no fundo agente sabe que ninguém é muito certo. Eu tenho medo é da lucidez. Tenho medo dessa busca desenfreada pela verdade, pelas respostas. Eu me esgoto tentando morder meu próprio rabo. Quando estou acostumando com uma versão de mim mesma, surge outra, cheia de enigmas, e vou atrás dela. Tem gente que elege uma única versão de si próprio e não olha mais para dentro. Esses é que são os lunáticos. Eu, ao contrário, quase não olho pra fora.
        Ok, eu sei que jamais vou derramar um copo de cerveja na cabeça de um homem, nem vou sair nua pelos parques protestando contra o uso de casacos de pele. Eu nunca vou fazer uma extravagância, e é isso que me assusta, porque uma piração de vez em quando pode ser muito bem-vinda. Você me entende? Eu não tenho medo de perder o senso. Eu tenho medo é desta eterna vigilância interior tenho medo do que me impede de falhar. Você bem que poderia ter se formado em Engenharia Química, aí não precisaria ficar ouvindo essa alucinada, é nisso que você está pensando? Lopes, o que me amedronta e é essa insistência em me enfrentar. 

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