— As árvores, meu filho, não têm alma!
E esta árvore me serve de empecilho...
É preciso cortá-la, pois, meu filho,
Para que eu tenha uma velhice calma!
— Meu pai, por que sua ira não se acalma?!
Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?!
Deus pos almas nos cedros... no junquilho...
Esta árvore, meu pai, possui minh'alma! ...
— Disse — e ajoelhou-se, numa rogativa:
«Não mate a árvore, pai, para que eu viva!»
E quando a árvore, olhando a pátria serra,
Caiu aos golpes do machado bronco,
O moço triste se abraçou com o tronco
E nunca mais se levantou da terra!
Fernando Pessoa - Apostila
Álvaro de Campos
Aproveitar o tempo!
Mas o que é o tempo, que eu o aproveite?
Aproveitar o tempo!
Nenhum dia sem linha...
O trabalho honesto e superior...
O trabalho à Virgílio, à Mílton...
Mas é tão difícil ser honesto ou superior!
É tão pouco provável ser Milton ou ser Virgílio!
Aproveitar o tempo!
Tirar da alma os bocados precisos - nem mais nem menos -
Para com eles juntar os cubos ajustados
Que fazem gravuras certas na história
(E estão certas também do lado de baixo que se não vê)...
Pôr as sensações em castelo de cartas, pobre China dos serões,
E os pensamentos em dominó, igual contra igual,
E a vontade em carambola difícil.
Imagens de jogos ou de paciências ou de passatempos -
Imagens da vida, imagens das vidas. Imagens da Vida.
Verbalismo...
Sim, verbalismo...
Aproveitar o tempo!
Não ter um minuto que o exame de consciência desconheça...
Não ter um acto indefinido nem factício...
Não ter um movimento desconforme com propósitos...
Boas maneiras da alma...
Elegância de persistir...
Aproveitar o tempo!
Mas o que é o tempo, que eu o aproveite?
Aproveitar o tempo!
Nenhum dia sem linha...
O trabalho honesto e superior...
O trabalho à Virgílio, à Mílton...
Mas é tão difícil ser honesto ou superior!
É tão pouco provável ser Milton ou ser Virgílio!
Aproveitar o tempo!
Tirar da alma os bocados precisos - nem mais nem menos -
Para com eles juntar os cubos ajustados
Que fazem gravuras certas na história
(E estão certas também do lado de baixo que se não vê)...
Pôr as sensações em castelo de cartas, pobre China dos serões,
E os pensamentos em dominó, igual contra igual,
E a vontade em carambola difícil.
Imagens de jogos ou de paciências ou de passatempos -
Imagens da vida, imagens das vidas. Imagens da Vida.
Verbalismo...
Sim, verbalismo...
Aproveitar o tempo!
Não ter um minuto que o exame de consciência desconheça...
Não ter um acto indefinido nem factício...
Não ter um movimento desconforme com propósitos...
Boas maneiras da alma...
Elegância de persistir...
Aproveitar o tempo!
Meu coração está cansado como mendigo verdadeiro.
Meu cérebro está pronto como um fardo posto ao canto.
Meu canto (verbalismo!) está tal como está e é triste.
Aproveitar o tempo!
Desde que comecei a escrever passaram cinco minutos.
Aproveitei-os ou não?
Se não sei se os aproveitei, que saberei de outros minutos?!
(Passageira que viajas tantas vezes no mesmo compartimento comigo
No comboio suburbano,
Chegaste a interessar-te por mim?
Aproveitei o tempo olhando para ti?
Qual foi o ritmo do nosso sossego no comboio andante?
Qual foi o entendimento que não chegámos a ter?
Qual foi a vida que houve nisto?
Que foi isto a vida?)
Meu cérebro está pronto como um fardo posto ao canto.
Meu canto (verbalismo!) está tal como está e é triste.
Aproveitar o tempo!
Desde que comecei a escrever passaram cinco minutos.
Aproveitei-os ou não?
Se não sei se os aproveitei, que saberei de outros minutos?!
(Passageira que viajas tantas vezes no mesmo compartimento comigo
No comboio suburbano,
Chegaste a interessar-te por mim?
Aproveitei o tempo olhando para ti?
Qual foi o ritmo do nosso sossego no comboio andante?
Qual foi o entendimento que não chegámos a ter?
Qual foi a vida que houve nisto?
Que foi isto a vida?)
Aproveitar o tempo!
Ah, deixem-me não aproveitar nada!
Nem tempo, nem ser, nem memórias de tempo ou de ser!...
Deixem-me ser uma folha de árvore, titilada por brisa,
A poeira de uma estrada involuntária e sozinha,
O vinco deixado na estrada pelas rodas enquanto não vêm outras,
O pião do garoto, que vai a parar,
E estremece, no mesmo movimento que o da terra,
E oscila, no mesmo movimento que o da alma,
E cai, como caem os deuses, no chão do Destino
Ah, deixem-me não aproveitar nada!
Nem tempo, nem ser, nem memórias de tempo ou de ser!...
Deixem-me ser uma folha de árvore, titilada por brisa,
A poeira de uma estrada involuntária e sozinha,
O vinco deixado na estrada pelas rodas enquanto não vêm outras,
O pião do garoto, que vai a parar,
E estremece, no mesmo movimento que o da terra,
E oscila, no mesmo movimento que o da alma,
E cai, como caem os deuses, no chão do Destino
Cesário Verde - Noite fechada
Lembras-te tu do sábado passado,
Do passeio que demos, devagar,
Entre um saudoso gás amarelado
E as carícias leitosas do luar?
Bem me lembro das altas ruazinhas,
Que ambos nós percorremos de mãos dadas:
As janelas palravam as vizinhas;
Tinham lívidas luzes as fachadas.
Não me esqueço das cousas que disseste,
Ante um pesado templo com recortes;
E os cemitérios ricos, e o cipreste
Que vive de gorduras e de mortes!
Nós saíramos próximo ao sol-posto,
Mas seguíamos cheios de demoras;
Não me esqueceu ainda o meu desgosto
Nem o sino rachado que deu horas.
Tenho ainda gravado no sentido,
Porque tu caminhavas com prazer,
Cara rapada, gordo e presumido,
O padre que parou para te ver.
Como uma mitra a cúpula da igreja
Cobria parte do ventoso largo;
E essa boca viçosa de cereja
Torcia risos com sabor amargo.
A Lua dava trêmulas brancuras,
Eu ia cada vez mais magoado;
Vi um jardim com árvores escuras,
Como uma jaula todo gradeado!
E para te seguir entrei contigo
Num pátio velho que era dum canteiro,
E onde, talvez, se faça inda o jazigo
Em que eu irei apodrecer primeiro!
Eu sinto ainda a flor da tua pele,
Tua luva, teu véu, o que tu és!
Não sei que tentação é que te impele
Os pequeninos e cansados pés.
Sei que em tudo atentavas, tudo vias!
Eu por mim tinha pena dos marçanos,
Como ratos, nas gordas mercearias,
Encafurnados por imensos anos!
Tu sorrias de tudo: os carvoeiros,
Que aparecem ao fundo dumas minas,
E à crua luz os pálidos barbeiros
Com óleos e maneiras femininas!
Fins de semana! Que miséria em bando!
O povo folga, estúpido e grisalho!
E os artistas de ofício iam passando,
Com as férias, ralados do trabalho
O quadro interior, dum que à candeia,
Ensina a filha a ler, meteu-me dó!
Gosto mais do plebeu que cambaleia,
Do bêbado feliz que fala só!
De súbito, na volta de uma esquina,
Sob um bico de gás que abria em leque,
Vimos um militar, de barretina
E galões marciais de pechisbeque,
E enquanto ela falava ao seu namoro,
Que morava num prédio de azulejo,
Nos nossos lábios retiniu sonoro
Um vigoroso e formidável beijo!
E assim ao meu capricho abandonada,
Erramos por travessas, por vielas,
E passamos por pé duma tapada
E um palácio real com sentinelas.
E eu que busco a moderna e fina arte,
Sobre a umbrosa calçada sepulcral,
Tive a rude intenção de violentar-te
Imbecilmente, como um animal!
Mas ao rumor dos ramos e da aragem,
Como longínquos bosques muito ermos,
Tu querias no meio da folhagem
Um ninho enorme para nós vivermos.
E ao passo que eu te ouvia abstratamente,
O grande pomba tépida que arrulha,
Vinham batendo o macadame fremente,
As patadas sonoras da patrulha,
E através a imortal cidadezinha,
Nós fomos ter às portas, às barreiras,
Em que uma negra multidão se apinha
De tecelões, de fumos, de caldeiras.
Mas a noite dormente e esbranquiçada
Era uma esteira lúcida de amor;
Q jovial senhora perfumada,
O terrível criança! Que esplendor!
E ali começaria o meu desterro!...
Lodoso o rio, e glacial, corria;
Sentamo-nos, os dois, num novo aterro
Na muralha dos cais de cantaria.
Nunca mais amarei, já que não amas,
E é preciso, decerto, que me deixes!
Toda a maré luzia como escamas,
Como alguidar de prateados peixes.
E como é necessário que eu me afoite
A perder-me de ti por quem existo,
Eu fui passar ao campo aquela noite
E andei léguas a pé, pensando nisto.
E tu que não serás somente minha,
As carícias leitosas do luar,
Recolheste-te, pálida e sozinha,
A gaiola do teu terceiro andar
Do passeio que demos, devagar,
Entre um saudoso gás amarelado
E as carícias leitosas do luar?
Bem me lembro das altas ruazinhas,
Que ambos nós percorremos de mãos dadas:
As janelas palravam as vizinhas;
Tinham lívidas luzes as fachadas.
Não me esqueço das cousas que disseste,
Ante um pesado templo com recortes;
E os cemitérios ricos, e o cipreste
Que vive de gorduras e de mortes!
Nós saíramos próximo ao sol-posto,
Mas seguíamos cheios de demoras;
Não me esqueceu ainda o meu desgosto
Nem o sino rachado que deu horas.
Tenho ainda gravado no sentido,
Porque tu caminhavas com prazer,
Cara rapada, gordo e presumido,
O padre que parou para te ver.
Como uma mitra a cúpula da igreja
Cobria parte do ventoso largo;
E essa boca viçosa de cereja
Torcia risos com sabor amargo.
A Lua dava trêmulas brancuras,
Eu ia cada vez mais magoado;
Vi um jardim com árvores escuras,
Como uma jaula todo gradeado!
E para te seguir entrei contigo
Num pátio velho que era dum canteiro,
E onde, talvez, se faça inda o jazigo
Em que eu irei apodrecer primeiro!
Eu sinto ainda a flor da tua pele,
Tua luva, teu véu, o que tu és!
Não sei que tentação é que te impele
Os pequeninos e cansados pés.
Sei que em tudo atentavas, tudo vias!
Eu por mim tinha pena dos marçanos,
Como ratos, nas gordas mercearias,
Encafurnados por imensos anos!
Tu sorrias de tudo: os carvoeiros,
Que aparecem ao fundo dumas minas,
E à crua luz os pálidos barbeiros
Com óleos e maneiras femininas!
Fins de semana! Que miséria em bando!
O povo folga, estúpido e grisalho!
E os artistas de ofício iam passando,
Com as férias, ralados do trabalho
O quadro interior, dum que à candeia,
Ensina a filha a ler, meteu-me dó!
Gosto mais do plebeu que cambaleia,
Do bêbado feliz que fala só!
De súbito, na volta de uma esquina,
Sob um bico de gás que abria em leque,
Vimos um militar, de barretina
E galões marciais de pechisbeque,
E enquanto ela falava ao seu namoro,
Que morava num prédio de azulejo,
Nos nossos lábios retiniu sonoro
Um vigoroso e formidável beijo!
E assim ao meu capricho abandonada,
Erramos por travessas, por vielas,
E passamos por pé duma tapada
E um palácio real com sentinelas.
E eu que busco a moderna e fina arte,
Sobre a umbrosa calçada sepulcral,
Tive a rude intenção de violentar-te
Imbecilmente, como um animal!
Mas ao rumor dos ramos e da aragem,
Como longínquos bosques muito ermos,
Tu querias no meio da folhagem
Um ninho enorme para nós vivermos.
E ao passo que eu te ouvia abstratamente,
O grande pomba tépida que arrulha,
Vinham batendo o macadame fremente,
As patadas sonoras da patrulha,
E através a imortal cidadezinha,
Nós fomos ter às portas, às barreiras,
Em que uma negra multidão se apinha
De tecelões, de fumos, de caldeiras.
Mas a noite dormente e esbranquiçada
Era uma esteira lúcida de amor;
Q jovial senhora perfumada,
O terrível criança! Que esplendor!
E ali começaria o meu desterro!...
Lodoso o rio, e glacial, corria;
Sentamo-nos, os dois, num novo aterro
Na muralha dos cais de cantaria.
Nunca mais amarei, já que não amas,
E é preciso, decerto, que me deixes!
Toda a maré luzia como escamas,
Como alguidar de prateados peixes.
E como é necessário que eu me afoite
A perder-me de ti por quem existo,
Eu fui passar ao campo aquela noite
E andei léguas a pé, pensando nisto.
E tu que não serás somente minha,
As carícias leitosas do luar,
Recolheste-te, pálida e sozinha,
A gaiola do teu terceiro andar
Mario Quintana - Ah! Os relógios
Amigos, não consultem os relógios
quando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fúteis problemas tão perdidas
que até parecem mais uns necrológios...
Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida - a verdadeira -
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.
Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma é dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.
E os Anjos entreolham-se espantados
quando alguém - ao voltar a si da vida -
acaso lhes indaga que horas são...
quando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fúteis problemas tão perdidas
que até parecem mais uns necrológios...
Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida - a verdadeira -
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.
Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma é dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.
E os Anjos entreolham-se espantados
quando alguém - ao voltar a si da vida -
acaso lhes indaga que horas são...
Pablo Neruda - Esperemos
Há outros dias que não têm chegado ainda,
que estão fazendo-se
como o pão ou as cadeiras ou o produto
das farmácias ou das oficinas
- há fábricas de dias que virão -
existem artesãos da alma
que levantam e pesam e preparam
certos dias amargos ou preciosos
que de repente chegam à porta
para premiar-nos
com uma laranja
ou assassinar-nos de imediato.
que estão fazendo-se
como o pão ou as cadeiras ou o produto
das farmácias ou das oficinas
- há fábricas de dias que virão -
existem artesãos da alma
que levantam e pesam e preparam
certos dias amargos ou preciosos
que de repente chegam à porta
para premiar-nos
com uma laranja
ou assassinar-nos de imediato.
Florbela Espanca - Silêncio!...
No fadário que é meu, neste penar,
Noite alta, noite escura, noite morta,
Sou o vento que geme e quer entrar,
Sou o vento que vai bater-te à porta...
Vivo longe de ti, mas que me importa?
Se eu já não vivo em mim! Ando a vaguear
Em roda à tua casa, a procurar
Beber-te a voz, apaixonada, absorta!
Estou junto de ti, e não me vês...
Quantas vezes no livro que tu lês
Meu olhar se pousou e se perdeu!
Trago-te como um filho nos meus braços!
E na tua casa... Escuta!... Uns leves passos...
Silêncio, meu Amor!... Abre! Sou eu!..
Noite alta, noite escura, noite morta,
Sou o vento que geme e quer entrar,
Sou o vento que vai bater-te à porta...
Vivo longe de ti, mas que me importa?
Se eu já não vivo em mim! Ando a vaguear
Em roda à tua casa, a procurar
Beber-te a voz, apaixonada, absorta!
Estou junto de ti, e não me vês...
Quantas vezes no livro que tu lês
Meu olhar se pousou e se perdeu!
Trago-te como um filho nos meus braços!
E na tua casa... Escuta!... Uns leves passos...
Silêncio, meu Amor!... Abre! Sou eu!..
Castro Alves - Partida do meu mestre do coração
Oh! Que silêncio expressivo!
Que triste melancolia!
Tudo nos diz dores;
Tudo nos diz agonia!
Chora terno o caro mestre,
O discip'lo também chora;
Que todos sofrem agora!
Apenas ouço soluços
Arrancados dentre prantos!
Tristes ais, filhos da dor,
Partidos de peitos tantos!
Frases puras que bem dizem
O sofrer, as aflições,
Que pungem tais corações!...
Mas por que todos conjuntos,
Estais assim a chorar?
Que motivo vossas almas
Pôde assim sensibilizar?
Que motivo vossos peitos
Faz assim 'starem sofrendo;
Tantas dores padecendo?
Ai! É que a ausência penosa
Já pouco tarda a chegar!
É que impiedoso o destino
Dos olhos vai nos roubar
O mestre, o mestre querido,
Que nos sabia ensinar
A nosso Deus adorar!
Ai! É que dentro em breve
(Talvez p'ra sempre, oh! meu Deus!)
Não possamos mais ouvir
Os santos conselhos seus!
Ele tão bom nos guiava
A salvo por entre a lida
Desta tão custosa vida!
Chora, bem triste, Ginásio,
Derrama pranto sem fim!
Ah! Chora que isto consola
A quem sofre dor assim!.
Chora, que não mais verás
Unido alegre contigo
O teu mestre, o teu amigo!
Chora, chora, meu Ginásio.
Eis a hora de partir,
D'hora em diante saudades
Cruéis vos hão de ferir!
Que a nós juntos como agora
Não mais há de alumiar
Este sol, que vês brilhar.
A pátria nos tira o mestre
É — nos preciso ceder;
Mas nos não proíbe o pranto,
Nem no-lo pode tolher;
Que então seria matar
Fé de amigo os sentimentos
E aumentar-nos os tormentos!...
Que triste melancolia!
Tudo nos diz dores;
Tudo nos diz agonia!
Chora terno o caro mestre,
O discip'lo também chora;
Que todos sofrem agora!
Apenas ouço soluços
Arrancados dentre prantos!
Tristes ais, filhos da dor,
Partidos de peitos tantos!
Frases puras que bem dizem
O sofrer, as aflições,
Que pungem tais corações!...
Mas por que todos conjuntos,
Estais assim a chorar?
Que motivo vossas almas
Pôde assim sensibilizar?
Que motivo vossos peitos
Faz assim 'starem sofrendo;
Tantas dores padecendo?
Ai! É que a ausência penosa
Já pouco tarda a chegar!
É que impiedoso o destino
Dos olhos vai nos roubar
O mestre, o mestre querido,
Que nos sabia ensinar
A nosso Deus adorar!
Ai! É que dentro em breve
(Talvez p'ra sempre, oh! meu Deus!)
Não possamos mais ouvir
Os santos conselhos seus!
Ele tão bom nos guiava
A salvo por entre a lida
Desta tão custosa vida!
Chora, bem triste, Ginásio,
Derrama pranto sem fim!
Ah! Chora que isto consola
A quem sofre dor assim!.
Chora, que não mais verás
Unido alegre contigo
O teu mestre, o teu amigo!
Chora, chora, meu Ginásio.
Eis a hora de partir,
D'hora em diante saudades
Cruéis vos hão de ferir!
Que a nós juntos como agora
Não mais há de alumiar
Este sol, que vês brilhar.
A pátria nos tira o mestre
É — nos preciso ceder;
Mas nos não proíbe o pranto,
Nem no-lo pode tolher;
Que então seria matar
Fé de amigo os sentimentos
E aumentar-nos os tormentos!...
Carlos Drummond de Andrade - As sem-razões do amor
Eu te amo porque te amo,
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.
Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.
Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.
Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.
Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.
Cecília Meireles - Motivo
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.
Paulo Leminski - Bem no Fundo
No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto
a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo
extinto por lei todo o remorso,
maldito seja que olhas pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais
mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto
a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo
extinto por lei todo o remorso,
maldito seja que olhas pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais
mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.
Mário Quintana - Poeminha do Contra
Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!
Hilda Hilst - Araras versáteis
Araras versáteis.
Prato de anêmonas.
O efebo passou entre as meninas trêfegas.
O rombudo bastão luzia na mornura das calças e do dia.
Ela abriu as coxas de esmalte, louça e umedecida laca
E vergastou a cona com minúsculo açoite.
O moço ajoelhou-se esfuçando-lhe os meios
E uma língua de agulha, de fogo, de molusco
Empapou-se de mel nos refolhos robustos.
Ela gritava um êxtase de gosmas e de lírios
Quando no instante alguém
Numa manobra ágil de jovem marinheiro
Arrancou do efebo as luzidias calças
Suspendeu-lhe o traseiro e aaaaaiiiii...
E gozaram os três entre os pios dos pássaros
Das araras versáteis e das meninas trêfegas.
O efebo passou entre as meninas trêfegas.
O rombudo bastão luzia na mornura das calças e do dia.
Ela abriu as coxas de esmalte, louça e umedecida laca
E vergastou a cona com minúsculo açoite.
O moço ajoelhou-se esfuçando-lhe os meios
E uma língua de agulha, de fogo, de molusco
Empapou-se de mel nos refolhos robustos.
Ela gritava um êxtase de gosmas e de lírios
Quando no instante alguém
Numa manobra ágil de jovem marinheiro
Arrancou do efebo as luzidias calças
Suspendeu-lhe o traseiro e aaaaaiiiii...
E gozaram os três entre os pios dos pássaros
Das araras versáteis e das meninas trêfegas.
Thiago de Mello - Canto do meu canto
Ninguém me habita.
A não ser o milagre da matéria
que me faz capaz de amor,
e o mistério da memória
que urde o tempo em meus neurônios,
para que eu, vivendo agora,
possa me rever no outrora.
Ninguém me habita.
Sozinho resvalo pelos declives
onde me esperam, me chamam
(meu ser me diz se as atendo)
feiúras que me fascinam,
belezas que me endoidecem.
A não ser o milagre da matéria
que me faz capaz de amor,
e o mistério da memória
que urde o tempo em meus neurônios,
para que eu, vivendo agora,
possa me rever no outrora.
Ninguém me habita.
Sozinho resvalo pelos declives
onde me esperam, me chamam
(meu ser me diz se as atendo)
feiúras que me fascinam,
belezas que me endoidecem.
Cecília Meireles - Noções
Entre mim e mim, há vastidões bastantes
para a navegação dos meus desejos afligidos.
Descem pela água minhas naves revestidas de espelhos.
Cada lâmina arrisca um olhar, e investiga o elemento que a atinge.
Mas, nesta aventura do sonho exposto à correnteza,
só recolho o gosto infinito das respostas que não se encontram.
Virei-me sobre a minha própria experiência, e contemplei-a.
Minha virtude era esta errância por mares contraditórios,
e este abandono para além da felicidade e da beleza.
Ó meu Deus, isto é minha alma:
qualquer coisa que flutua sobre este corpo efêmero e precário,
como o vento largo do oceano sobre a areia passiva e inúmera...
para a navegação dos meus desejos afligidos.
Descem pela água minhas naves revestidas de espelhos.
Cada lâmina arrisca um olhar, e investiga o elemento que a atinge.
Mas, nesta aventura do sonho exposto à correnteza,
só recolho o gosto infinito das respostas que não se encontram.
Virei-me sobre a minha própria experiência, e contemplei-a.
Minha virtude era esta errância por mares contraditórios,
e este abandono para além da felicidade e da beleza.
Ó meu Deus, isto é minha alma:
qualquer coisa que flutua sobre este corpo efêmero e precário,
como o vento largo do oceano sobre a areia passiva e inúmera...
Castro Alves - A um coração
Ai! Pobre coração! Assim vazio
E frio
Sem guardar a lembrança de um amor!
Nada em teus seio os dias hão deixado!...
É fado?
Nem relíquias de um sonho encantador?
Não frio coração! É que na terra
Ninguém te abriu... Nada teu seio encerra!
O vácuo apenas queres tu conter!
Não te faltam suspiros delirantes,
nem lágrimas de afeto verdadeiro...
É que nem mesmo — o oceano inteiro —
Poderia te encher!...
E frio
Sem guardar a lembrança de um amor!
Nada em teus seio os dias hão deixado!...
É fado?
Nem relíquias de um sonho encantador?
Não frio coração! É que na terra
Ninguém te abriu... Nada teu seio encerra!
O vácuo apenas queres tu conter!
Não te faltam suspiros delirantes,
nem lágrimas de afeto verdadeiro...
É que nem mesmo — o oceano inteiro —
Poderia te encher!...
Cruz e Sousa - Velhas tristezas
Diluências de luz, velhas tristezas
das almas que morreram para a luta!
Sois as sombras amadas de belezas
hoje mais frias do que a pedra bruta.
Murmúrios ncógnitos de gruta
onde o Mar canta os salmos e as rudezas
de obscuras religiões — voz impoluta
de todas as titânicas grandezas.
Passai, lembrando as sensações antigas,
paixões que foram já dóceis amigas,
na luz de eternos sóis glorificadas.
Alegrias de há tempos! E hoje e agora,
velhas tristezas que se vão embora
no poente da Saudade amortalhadas! ...
das almas que morreram para a luta!
Sois as sombras amadas de belezas
hoje mais frias do que a pedra bruta.
Murmúrios ncógnitos de gruta
onde o Mar canta os salmos e as rudezas
de obscuras religiões — voz impoluta
de todas as titânicas grandezas.
Passai, lembrando as sensações antigas,
paixões que foram já dóceis amigas,
na luz de eternos sóis glorificadas.
Alegrias de há tempos! E hoje e agora,
velhas tristezas que se vão embora
no poente da Saudade amortalhadas! ...
Eugénio de Andrade - Retrato Ardente
No teu peito
é que o pólen do fogo
se junta à nascente,
alastra na sombra.
Nos teus flancos
é que a fonte começa
a ser rio de abelhas,
rumor de tigre.
Da cintura aos joelhos
é que a areia queima,
o sol é secreto,
cego o silêncio.
Deita-te comigo.
Ilumina meus vidros.
Entre lábios e lábios
toda a música é minha
é que o pólen do fogo
se junta à nascente,
alastra na sombra.
Nos teus flancos
é que a fonte começa
a ser rio de abelhas,
rumor de tigre.
Da cintura aos joelhos
é que a areia queima,
o sol é secreto,
cego o silêncio.
Deita-te comigo.
Ilumina meus vidros.
Entre lábios e lábios
toda a música é minha
Gonçalves Dias - Minha vida e meus amores
Quando, no albor da vida, fascinado
Com tanta luz e brilho e pompa e galas,
Vi o mundo sorrir-me esperançoso:
— Meu Deus, disse entre mim, oh! quanto é doce,
Quanto é bela esta vida assim vivida! —
Agora, logo, aqui, além, notando
Uma pedra, uma flor, uma líndeza,
Um seixo da corrente, uma conchinha
À beira-mar colhida!
Foi esta a infância minha; a juventude
Falou-me ao coração: — amemos, disse,
Porque amar é viver.
E esta era linda, como é linda a aurora
No fresco da manhã tingindo as nuvens
De rósea cor fagueira;
Aquela tinha um quê de anelos meigos
Artífice sublime;
Feiticeiro sorrir dos lábios dela
Prendeu-me o coração; — julguei-o ao menos.
Aquela outra sorria tristemente,
Como um anjo no exílio, ou como o cálix
De flor pendida e murcha e já sem brilho.
Humilde flor tão bela e tão cheirosa,
No seu deserto perfumando os ventos.
—- Eu morrera feliz, dizia eu d'alma,
Se pudesse enxertar uma esperança
Naquela alma tão pura e tão formosa,
E um alegre sorrir nos lábios dela.
A fugaz borboleta as flores todas
Elege, e liba e uma e outra, e foge
Sempre em novos amores enlevada:
Neste meu paraíso fui com ela,
Inconstante vagando em mar de amores.
O amor sincero e fundo e firme e eterno,
Como o mar em bonança meigo e doce,
Do templo como a luz perene e santo,
Não, nunca o senti; — somente o viço
Tão forte dos meus anos, por amores
Tão fáceis quanto indi'nos fui trocando.
Quanto fui louco, ó Deus! — Em vez do fruto
Sazonado e maduro, que eu podia
Como em jardim colher, mordi no fruto
Pútrido e amargo e rebuçado em cinzas,
Como infante glutão, que se não senta
À mesa de seus pais
Dá, meu Deus, que eu possa amar,
Dá que eu sinta uma paixão,
Toma-me virgem minha alma,
E virgem meu coração.
Um dia, em qu'eu sentei-me junto dela,
Sua voz murmurou nos meus ouvidos,
— Eu te amo! — ó anjo, que não possa eu crer-te!
Ela, certo, não é mulher que vive
Nas fezes da desonra, em cujos lábios
Só mentira e traição eterno habitam.
Tem uma alma inocente, um rosto belo,
E amor nos olhos... — mas não posso crê-la.
Dá, meu Deus, que eu possa amar,
Dá que eu sinta uma paixao;
Torna-me virgem minha alma,
E virgem meu coração.
Outra vez que lá fui, que a vi, que a medo
Terna voz lhe escutei: — Sonhei contigo! —
Inefável prazer banhou meu peito,
Senti delícias; mas a sós comigo
Pensei — talvez! — e já não pude crê-Ia.
Ela tão meiga e tão cheia de encantos,
Ela tão nova, tão pura e tão bela ...
Amar-me! — Eu que sou?
Meus olhos enxergam, enquanto duvida
Minha alma sem crença, de força exaurida,
Já farta da vida,
Que amor não doirou.
Malgrado meu, crer não posso,
Malgrado meu que assim é;
Queres ligar-te comigo
Sem no amor ter crença e fé?
Antes vai colar teu rosto,
Colar teu seio nevado
Contra o rosto mudo e frio,
Contra o seio dum finado.
Ou suplica a Deus comigo
Que me dê uma paixão;
Que me dê crença à minha alma,
E vida ao meu coração.
Com tanta luz e brilho e pompa e galas,
Vi o mundo sorrir-me esperançoso:
— Meu Deus, disse entre mim, oh! quanto é doce,
Quanto é bela esta vida assim vivida! —
Agora, logo, aqui, além, notando
Uma pedra, uma flor, uma líndeza,
Um seixo da corrente, uma conchinha
À beira-mar colhida!
Foi esta a infância minha; a juventude
Falou-me ao coração: — amemos, disse,
Porque amar é viver.
E esta era linda, como é linda a aurora
No fresco da manhã tingindo as nuvens
De rósea cor fagueira;
Aquela tinha um quê de anelos meigos
Artífice sublime;
Feiticeiro sorrir dos lábios dela
Prendeu-me o coração; — julguei-o ao menos.
Aquela outra sorria tristemente,
Como um anjo no exílio, ou como o cálix
De flor pendida e murcha e já sem brilho.
Humilde flor tão bela e tão cheirosa,
No seu deserto perfumando os ventos.
—- Eu morrera feliz, dizia eu d'alma,
Se pudesse enxertar uma esperança
Naquela alma tão pura e tão formosa,
E um alegre sorrir nos lábios dela.
A fugaz borboleta as flores todas
Elege, e liba e uma e outra, e foge
Sempre em novos amores enlevada:
Neste meu paraíso fui com ela,
Inconstante vagando em mar de amores.
O amor sincero e fundo e firme e eterno,
Como o mar em bonança meigo e doce,
Do templo como a luz perene e santo,
Não, nunca o senti; — somente o viço
Tão forte dos meus anos, por amores
Tão fáceis quanto indi'nos fui trocando.
Quanto fui louco, ó Deus! — Em vez do fruto
Sazonado e maduro, que eu podia
Como em jardim colher, mordi no fruto
Pútrido e amargo e rebuçado em cinzas,
Como infante glutão, que se não senta
À mesa de seus pais
Dá, meu Deus, que eu possa amar,
Dá que eu sinta uma paixão,
Toma-me virgem minha alma,
E virgem meu coração.
Um dia, em qu'eu sentei-me junto dela,
Sua voz murmurou nos meus ouvidos,
— Eu te amo! — ó anjo, que não possa eu crer-te!
Ela, certo, não é mulher que vive
Nas fezes da desonra, em cujos lábios
Só mentira e traição eterno habitam.
Tem uma alma inocente, um rosto belo,
E amor nos olhos... — mas não posso crê-la.
Dá, meu Deus, que eu possa amar,
Dá que eu sinta uma paixao;
Torna-me virgem minha alma,
E virgem meu coração.
Outra vez que lá fui, que a vi, que a medo
Terna voz lhe escutei: — Sonhei contigo! —
Inefável prazer banhou meu peito,
Senti delícias; mas a sós comigo
Pensei — talvez! — e já não pude crê-Ia.
Ela tão meiga e tão cheia de encantos,
Ela tão nova, tão pura e tão bela ...
Amar-me! — Eu que sou?
Meus olhos enxergam, enquanto duvida
Minha alma sem crença, de força exaurida,
Já farta da vida,
Que amor não doirou.
Malgrado meu, crer não posso,
Malgrado meu que assim é;
Queres ligar-te comigo
Sem no amor ter crença e fé?
Antes vai colar teu rosto,
Colar teu seio nevado
Contra o rosto mudo e frio,
Contra o seio dum finado.
Ou suplica a Deus comigo
Que me dê uma paixão;
Que me dê crença à minha alma,
E vida ao meu coração.
Antônio Gedeão - Dor de Alma
Meu pratinho de arroz doce
polvilhado de canela;
Era bom mas acabou-se
desde que a vida me trouxe
outros cuidados com ela.
Eu, infante, não sabia
as mágoas que a vida tem.
Ingenuamente sorria,
me aninhava e adormecia
no colo da minha mãe.
Soube depois que há no mundo
umas tantas criaturas
que vivem num charco imundo
arrancando arroz do fundo
de pestilentas planuras.
Um sol de arestas pastosas
cobre-os de cinza e de azebre
à flor das águas lodosas,
eclodindo em capciosas
intermitências de febre.
Já não tenho o teu engodo,
Ó mãe, nem desejo tê-lo.
Prefiro o charco e o lodo.
Quero o sofrimento todo,
Quero senti-lo, e vencê-lo.
polvilhado de canela;
Era bom mas acabou-se
desde que a vida me trouxe
outros cuidados com ela.
Eu, infante, não sabia
as mágoas que a vida tem.
Ingenuamente sorria,
me aninhava e adormecia
no colo da minha mãe.
Soube depois que há no mundo
umas tantas criaturas
que vivem num charco imundo
arrancando arroz do fundo
de pestilentas planuras.
Um sol de arestas pastosas
cobre-os de cinza e de azebre
à flor das águas lodosas,
eclodindo em capciosas
intermitências de febre.
Já não tenho o teu engodo,
Ó mãe, nem desejo tê-lo.
Prefiro o charco e o lodo.
Quero o sofrimento todo,
Quero senti-lo, e vencê-lo.
Machado de Assis - Carolina
Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.
Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda a humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs o mundo inteiro.
Trago-te flores - restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.
Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.
Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda a humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs o mundo inteiro.
Trago-te flores - restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.
Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.
Augusto dos Anjos - A esmola de Dulce
E todo o dia eu vou como um perdido
De dor, por entre a dolorosa estrada,
Pedir a Dulce, a minha bem amada,
A esmola dum carinho apetecido.
E ela fita-me, o olhar enlanguescido,
E eu balbucio trêmula balada:
- Senhora, dai-me u’a esmola - e estertorada
A minha voz soluça num gemido.
Morre-me a voz, e eu gemo o último harpejo,
Estendo à Dulce a mão, a fé perdida,
E dos lábios de Dulce cai um beijo.
Depois, como este beijo me consola!
Bendita seja a Dulce! A minha vida
Estava unicamente nessa esmola.
De dor, por entre a dolorosa estrada,
Pedir a Dulce, a minha bem amada,
A esmola dum carinho apetecido.
E ela fita-me, o olhar enlanguescido,
E eu balbucio trêmula balada:
- Senhora, dai-me u’a esmola - e estertorada
A minha voz soluça num gemido.
Morre-me a voz, e eu gemo o último harpejo,
Estendo à Dulce a mão, a fé perdida,
E dos lábios de Dulce cai um beijo.
Depois, como este beijo me consola!
Bendita seja a Dulce! A minha vida
Estava unicamente nessa esmola.
Paulo Leminski - Sossegue coração
sossegue coração
ainda não é agora
a confusão prossegue
sonhos afora
calma calma
logo mais a gente goza
perto do osso
a carne é mais gostosa
ainda não é agora
a confusão prossegue
sonhos afora
calma calma
logo mais a gente goza
perto do osso
a carne é mais gostosa
Camilo Pessanha - Estátua
Cansei-me de tentar o teu segredo:
No teu olhar sem cor, --- frio escalpelo,
O meu olhar quebrei, a debatê-lo,
Como a onda na crista dum rochedo.
Segredo dessa alma e meu degredo
E minha obsessão! Para bebê-lo
Fui teu lábio oscular, num pesadelo,
Por noites de pavor, cheio de medo.
E o meu ósculo ardente, alucinado,
Esfriou sobre o mármore correcto
Desse entreaberto lábio gelado...
Desse lábio de mármore, discreto,
Severo como um túmulo fechado,
Sereno como um pélago quieto.
No teu olhar sem cor, --- frio escalpelo,
O meu olhar quebrei, a debatê-lo,
Como a onda na crista dum rochedo.
Segredo dessa alma e meu degredo
E minha obsessão! Para bebê-lo
Fui teu lábio oscular, num pesadelo,
Por noites de pavor, cheio de medo.
E o meu ósculo ardente, alucinado,
Esfriou sobre o mármore correcto
Desse entreaberto lábio gelado...
Desse lábio de mármore, discreto,
Severo como um túmulo fechado,
Sereno como um pélago quieto.
Pablo Neruda - Se cada dia cai
Se cada dia cai, dentro de cada noite,
há um poço
onde a claridade está presa.
há que sentar-se na beira
do poço da sombra
e pescar luz caída
com paciência.
há um poço
onde a claridade está presa.
há que sentar-se na beira
do poço da sombra
e pescar luz caída
com paciência.
Manuel Bandeira - João Gostoso era carregador
João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.
Leila Míccolis - A seco
Tem coisas que a gente só diz de porre
se não o outro corre;
mas passada a bebedeira,
a gente acha que fez besteira,
não devia ter falado,
que se expôs adoidado,
à toa e foi tolice.
Finge-se então que se esquece o que disse,
culpa-se a carência, a demência, a embriaguez
responsáveis por tamanha estupidez.
E é aceitando este estranho cabedal
que quando se volta ao "estado normal",
cada vez mais sós, na defensiva,
corroídos morremos de cirrose... afetiva.
se não o outro corre;
mas passada a bebedeira,
a gente acha que fez besteira,
não devia ter falado,
que se expôs adoidado,
à toa e foi tolice.
Finge-se então que se esquece o que disse,
culpa-se a carência, a demência, a embriaguez
responsáveis por tamanha estupidez.
E é aceitando este estranho cabedal
que quando se volta ao "estado normal",
cada vez mais sós, na defensiva,
corroídos morremos de cirrose... afetiva.
Carlos Drummond de Andrade - Poesia
Gastei uma hora pensando em um verso
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira.
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira.
Adélia Prado - Exausto
Eu quero uma licença de dormir,
perdão pra descansar horas a fio,
sem ao menos sonhar
a leve palha de um pequeno sonho.
Quero o que antes da vida
foi o sono profundo das espécies,
a graça de um estado.
Semente.
Muito mais que raízes.
perdão pra descansar horas a fio,
sem ao menos sonhar
a leve palha de um pequeno sonho.
Quero o que antes da vida
foi o sono profundo das espécies,
a graça de um estado.
Semente.
Muito mais que raízes.
Olavo Bilac - Saiba descer o que subir não soube
Meus dias consumir de terra em terra,
em banquetes com reis todos os dias;
comigo a pança encheu também Tobias
na Alemanha, na França, na Inglaterra…
Oh! secretário que tão bem comias!
Não sejas mole: dente agudo ferra
na própria língua, que ainda agora encerra
o chorume daquelas iguarias!
Marinhas , meu nego, se tu visses
o que de bom nesta barriga coube,
é impossível que ao pranto resistisses.
Quando o Rio a Petrópolis me roube
desça o trem com finas gulodices,
saiba descer o que subir não soube!
em banquetes com reis todos os dias;
comigo a pança encheu também Tobias
na Alemanha, na França, na Inglaterra…
Oh! secretário que tão bem comias!
Não sejas mole: dente agudo ferra
na própria língua, que ainda agora encerra
o chorume daquelas iguarias!
Marinhas , meu nego, se tu visses
o que de bom nesta barriga coube,
é impossível que ao pranto resistisses.
Quando o Rio a Petrópolis me roube
desça o trem com finas gulodices,
saiba descer o que subir não soube!
Bocage - Saiba morrer o que viver não soube
Meu ser evaporei na lida insana
do tropel de paixões que me arrastava.
Ah! Cego eu cria, ah! mísero eu sonhava
em mim quase imortal a essência humana.
De que inúmeros sóis a mente ufana
existência falaz me não dourava!
Mas eis sucumbe Natureza escrava
ao mal, que a vida em sua origem dana.
Prazeres, sócios meus e meus tiranos!
Esta alma, que sedenta em si não coube,
no abismo vos sumiu dos desenganos.
Deus, ó Deus!... Quando à morte a luz me roube
ganhe um momento o que perderam anos
saiba morrer o que viver não soube
do tropel de paixões que me arrastava.
Ah! Cego eu cria, ah! mísero eu sonhava
em mim quase imortal a essência humana.
De que inúmeros sóis a mente ufana
existência falaz me não dourava!
Mas eis sucumbe Natureza escrava
ao mal, que a vida em sua origem dana.
Prazeres, sócios meus e meus tiranos!
Esta alma, que sedenta em si não coube,
no abismo vos sumiu dos desenganos.
Deus, ó Deus!... Quando à morte a luz me roube
ganhe um momento o que perderam anos
saiba morrer o que viver não soube
Fernando Pessoa - Bocas Roxas
Ricardo Reis
Testas brancas sob rosas,
Nus, brancos antebraços
Deixados sobre a mesa;
Tal seja, Lídia, o quadro
Em que fiquemos, mudos,
Eternamente inscritos
Na consciência dos deuses.
Antes isto que a vida
Como os homens a vivem
Cheia da negra poeira
Que erguem das estradas.
Só os deuses socorrem
Com seu exemplo aqueles
Que nada mais pretendem
Que ir no rio das coisas.
Eternamente inscritos
Na consciência dos deuses.
Antes isto que a vida
Como os homens a vivem
Cheia da negra poeira
Que erguem das estradas.
Só os deuses socorrem
Com seu exemplo aqueles
Que nada mais pretendem
Que ir no rio das coisas.
Cecília Meireles - Inscrição na Areia
O meu amor não tem
importância nenhuma.
Não tem o peso nem
de uma rosa de espuma!
Desfolha-se por quem?
Para quem se perfuma?
O meu amor não tem
importância nenhuma.
importância nenhuma.
Não tem o peso nem
de uma rosa de espuma!
Desfolha-se por quem?
Para quem se perfuma?
O meu amor não tem
importância nenhuma.
Gonçalves Dias - Se muito sofri já, não me perguntes
Se muito sofri já, se ainda sofro
Por teu amor?!
Não me perguntes! que do inferno a vida
Não é pior! ...
Eu! vegetar da terra entre os felizes!
Que faço aqui?
Sonhos de amor, de glória, — lá se foram
Atrás de ti!
A ver se encontro d'esperança um raio
Olho em redor,
E nada vejo, e mais profunda sinto
No peito a dor!
Que faço aqui? Dias cansados, anos
Sem fim — durar!
Depois que te perdi, viver ainda,
Viver! penar! ...
Eu, não! Quem for feliz que preze a vida,
Tema perdê-la!
Por mim não tenho horror, nem tédio à morte,
Clamo por ela!
Bendita seja pois a que mandada
Me for — por Deus.
Matar-me, não; que quero ver-te ainda
Feliz nos céus!
Mas no pego da dor, em que me abismo?
— Nesta aflição
Negra como a do cego que na estrada
Esmola o pão!
Como a do viajor que pelas trevas
Sem tino vai,
E, errado o trilho, se embrenhou nas matas,
Nem delas sai!
Neste viver sofrendo, errante, louco,
Mísero Jó,
Que amigos e inimigos à porfia
Pungem sem dó!
Às vezes, da amargura no remanso,
Ao Criador
Minha alma eleva cânticos de graças,
Hinos de amor!
Que se estivesse em mim renascer hoje,
Sofrer o que sofri...
Eu quisera viver para ainda amar-te
E amado ser por ti!
Por teu amor?!
Não me perguntes! que do inferno a vida
Não é pior! ...
Eu! vegetar da terra entre os felizes!
Que faço aqui?
Sonhos de amor, de glória, — lá se foram
Atrás de ti!
A ver se encontro d'esperança um raio
Olho em redor,
E nada vejo, e mais profunda sinto
No peito a dor!
Que faço aqui? Dias cansados, anos
Sem fim — durar!
Depois que te perdi, viver ainda,
Viver! penar! ...
Eu, não! Quem for feliz que preze a vida,
Tema perdê-la!
Por mim não tenho horror, nem tédio à morte,
Clamo por ela!
Bendita seja pois a que mandada
Me for — por Deus.
Matar-me, não; que quero ver-te ainda
Feliz nos céus!
Mas no pego da dor, em que me abismo?
— Nesta aflição
Negra como a do cego que na estrada
Esmola o pão!
Como a do viajor que pelas trevas
Sem tino vai,
E, errado o trilho, se embrenhou nas matas,
Nem delas sai!
Neste viver sofrendo, errante, louco,
Mísero Jó,
Que amigos e inimigos à porfia
Pungem sem dó!
Às vezes, da amargura no remanso,
Ao Criador
Minha alma eleva cânticos de graças,
Hinos de amor!
Que se estivesse em mim renascer hoje,
Sofrer o que sofri...
Eu quisera viver para ainda amar-te
E amado ser por ti!
Florbela Espanca - O meu impossível
Minh'alma ardente é uma fogueira acesa,
É um brasido enorme a crepitar!
Ânsia de procurar sem encontrar
A chama onde queimar uma incerteza!
Tudo é vago e incompleto! E o que mais pesa
É nada ser perfeito. É deslumbrar
A noite tormentosa até cegar,
E tudo ser em vão! Deus, que tristeza!...
Aos meus irmãos na dor já disse tudo
E não me compreenderam!... Vão e mudo
Foi tudo o que entendi e o que pressinto...
Mas se eu pudesse a mágoa que em mim chora
Contar, não a chorava como agora,
Irmãos, não a sentia como a sinto!...
É um brasido enorme a crepitar!
Ânsia de procurar sem encontrar
A chama onde queimar uma incerteza!
Tudo é vago e incompleto! E o que mais pesa
É nada ser perfeito. É deslumbrar
A noite tormentosa até cegar,
E tudo ser em vão! Deus, que tristeza!...
Aos meus irmãos na dor já disse tudo
E não me compreenderam!... Vão e mudo
Foi tudo o que entendi e o que pressinto...
Mas se eu pudesse a mágoa que em mim chora
Contar, não a chorava como agora,
Irmãos, não a sentia como a sinto!...
Fernando Pessoa - Ah, Onde Estou
Álvaro de Campos
Ah, onde estou onde passo, ou onde não estou nem passo,
A banalidade devorante das caras de toda a gente!
Ah, a angústia insuportável de gente!
O cansaço inconvertível de ver e ouvir!
(Murmúrio outrora de regatos próprios, de arvoredo meu.)
Queria vomitar o que vi, só da náusea de o ter visto,
Estômago da alma alvorotado de eu ser...
A banalidade devorante das caras de toda a gente!
Ah, a angústia insuportável de gente!
O cansaço inconvertível de ver e ouvir!
(Murmúrio outrora de regatos próprios, de arvoredo meu.)
Queria vomitar o que vi, só da náusea de o ter visto,
Estômago da alma alvorotado de eu ser...
Cesário Verde - Sardenta
Tu, nesse corpo completo,
O láctea virgem dourada,
Tens o linfático aspecto
Duma camélia melada.
O láctea virgem dourada,
Tens o linfático aspecto
Duma camélia melada.
Cecília Meireles - Interlúdio
As palavras estão muito ditas
e o mundo muito pensado.
Fico ao teu lado.
Não me digas que há futuro
nem passado.
Deixa o presente — claro muro
sem coisas escritas.
Deixa o presente. Não fales,
Não me expliques o presente,
pois é tudo demasiado.
Em águas de eternamente,
o cometa dos meus males
afunda, desarvorado.
Fico ao teu lado.
e o mundo muito pensado.
Fico ao teu lado.
Não me digas que há futuro
nem passado.
Deixa o presente — claro muro
sem coisas escritas.
Deixa o presente. Não fales,
Não me expliques o presente,
pois é tudo demasiado.
Em águas de eternamente,
o cometa dos meus males
afunda, desarvorado.
Fico ao teu lado.
Pablo Neruda - O Poço
Cais, às vezes, afundas
em teu fosso de silêncio,
em teu abismo de orgulhosa cólera,
e mal consegues
voltar, trazendo restos
do que achaste
pelas profunduras da tua existência.
Meu amor, o que encontras
em teu poço fechado?
Algas, pântanos, rochas?
O que vês, de olhos cegos,
rancorosa e ferida?
Não acharás, amor,
no poço em que cais
o que na altura guardo para ti:
um ramo de jasmins todo orvalhado,
um beijo mais profundo que esse abismo.
Não me temas, não caias
de novo em teu rancor.
Sacode a minha palavra que te veio ferir
e deixa que ela voe pela janela aberta.
Ela voltará a ferir-me
sem que tu a dirijas,
porque foi carregada com um instante duro
e esse instante será desarmado em meu peito.
Radiosa me sorri
se minha boca fere.
Não sou um pastor doce
como em contos de fadas,
mas um lenhador que comparte contigo
terras, vento e espinhos das montanhas.
Dá-me amor, me sorri
e me ajuda a ser bom.
Não te firas em mim, seria inútil,
não me firas a mim porque te feres
em teu fosso de silêncio,
em teu abismo de orgulhosa cólera,
e mal consegues
voltar, trazendo restos
do que achaste
pelas profunduras da tua existência.
Meu amor, o que encontras
em teu poço fechado?
Algas, pântanos, rochas?
O que vês, de olhos cegos,
rancorosa e ferida?
Não acharás, amor,
no poço em que cais
o que na altura guardo para ti:
um ramo de jasmins todo orvalhado,
um beijo mais profundo que esse abismo.
Não me temas, não caias
de novo em teu rancor.
Sacode a minha palavra que te veio ferir
e deixa que ela voe pela janela aberta.
Ela voltará a ferir-me
sem que tu a dirijas,
porque foi carregada com um instante duro
e esse instante será desarmado em meu peito.
Radiosa me sorri
se minha boca fere.
Não sou um pastor doce
como em contos de fadas,
mas um lenhador que comparte contigo
terras, vento e espinhos das montanhas.
Dá-me amor, me sorri
e me ajuda a ser bom.
Não te firas em mim, seria inútil,
não me firas a mim porque te feres
Machado de Assis - Flor da mocidade
Eu conheço a mais bela flor;
És tu, rosa da mocidade,
Nascida aberta para o amor.
Eu conheço a mais bela flor.
Tem do céu a serena cor,
E o perfume da virgindade.
Eu conheço a mais bela flor,
És tu, rosa da mocidade.
Vive às vezes na solidão,
Como filha da brisa agreste.
Teme acaso indiscreta mão;
Vive às vezes na solidão.
Poupa a raiva do furacão
Suas folhas de azul celeste.
Vive às vezes na solidão,
Como filha da brisa agreste.
Colhe-se antes que venha o mal,
Colhe-se antes que chegue o inverno;
Que a flor morta já nada val.
Colhe-se antes que venha o mal.
Quando a terra é mais jovial
Todo o bem nos parece eterno.
Colhe-se antes que venha o mal,
Colhe-se antes que chegue o inverno.
És tu, rosa da mocidade,
Nascida aberta para o amor.
Eu conheço a mais bela flor.
Tem do céu a serena cor,
E o perfume da virgindade.
Eu conheço a mais bela flor,
És tu, rosa da mocidade.
Vive às vezes na solidão,
Como filha da brisa agreste.
Teme acaso indiscreta mão;
Vive às vezes na solidão.
Poupa a raiva do furacão
Suas folhas de azul celeste.
Vive às vezes na solidão,
Como filha da brisa agreste.
Colhe-se antes que venha o mal,
Colhe-se antes que chegue o inverno;
Que a flor morta já nada val.
Colhe-se antes que venha o mal.
Quando a terra é mais jovial
Todo o bem nos parece eterno.
Colhe-se antes que venha o mal,
Colhe-se antes que chegue o inverno.
Castro Alves - Cansaço
O NÁUFRAGO nadou por longas horas...
Na praia dorme frio num desmaio.
A força após a luta abandonou-o,
Do sol queimou-lhe a face ardente raio.
Pois eu sou como o nauta... Após a luta
Meu amor dorme lânguido no peito.
Cansado... talvez morto, dorme e dorme
Da indiferença no gelado leito.
Sobre as asas velozes a andorinha
Maneira se lançou nos puros ares...
Veio após o tufão... lutou debalde,
Mas em breve boiou por sobre os mares.
Eu sou como a andorinha... Ergui meu vôo
Sobre as asas gentis da fantasia.
A descrença nublou-me o céu da vida...
E a crença estrebuchou numa agonia.
Como as flores de estufa que emurchecem
Lembrando o céu azul do seu país,
Minha alma vai morrendo, suspirando
Por seus perdidos sonhos tão gentis.
E que durma ... E que durma ... ó virgem santa,
Que criou sempre pura a fantasia,
Só a ti é que eu quero que te sentes
Ao meu lado na última agonia
Na praia dorme frio num desmaio.
A força após a luta abandonou-o,
Do sol queimou-lhe a face ardente raio.
Pois eu sou como o nauta... Após a luta
Meu amor dorme lânguido no peito.
Cansado... talvez morto, dorme e dorme
Da indiferença no gelado leito.
Sobre as asas velozes a andorinha
Maneira se lançou nos puros ares...
Veio após o tufão... lutou debalde,
Mas em breve boiou por sobre os mares.
Eu sou como a andorinha... Ergui meu vôo
Sobre as asas gentis da fantasia.
A descrença nublou-me o céu da vida...
E a crença estrebuchou numa agonia.
Como as flores de estufa que emurchecem
Lembrando o céu azul do seu país,
Minha alma vai morrendo, suspirando
Por seus perdidos sonhos tão gentis.
E que durma ... E que durma ... ó virgem santa,
Que criou sempre pura a fantasia,
Só a ti é que eu quero que te sentes
Ao meu lado na última agonia
Álvares de Azevedo -Oh! Páginas de vida que eu amava
Oh! Páginas da vida que eu amava,
Rompei-vos! nunca mais! tão desgraçado!
... Ardei, lembranças doces do passado!
Quero rir-me de tudo que eu amava!
E que doudo que eu fui! como eu pensava
Em mãe, amor de irmã! em sossegado
Adormecer na vida acalentado
Pelos lábios que eu tímido beijava!
Embora - é meu destino.
Em treva densa
Dentro do peito a existência finda
Pressinto a morte na fatal doença!
A mim a solidão da noite infinda!
Possa dormir o trovador sem crença
Perdoa minha mãe - eu te amo ainda!
Rompei-vos! nunca mais! tão desgraçado!
... Ardei, lembranças doces do passado!
Quero rir-me de tudo que eu amava!
E que doudo que eu fui! como eu pensava
Em mãe, amor de irmã! em sossegado
Adormecer na vida acalentado
Pelos lábios que eu tímido beijava!
Embora - é meu destino.
Em treva densa
Dentro do peito a existência finda
Pressinto a morte na fatal doença!
A mim a solidão da noite infinda!
Possa dormir o trovador sem crença
Perdoa minha mãe - eu te amo ainda!
Carlos Drummond de Andrade - Quadrilha
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para o Estados Unidos, Teresa para o
convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto
Fernandes
que não tinha entrado na história.
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para o Estados Unidos, Teresa para o
convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto
Fernandes
que não tinha entrado na história.
Fernando Pessoa - A Flor que És
Ricardo Reis
A flor que és, não a que dás, eu quero.
A flor que és, não a que dás, eu quero.
Porque me negas o que te não peço.
Tempo há para negares
Depois de teres dado.
Flor, sê-me flor!
Se te colher avaro
A mão da infausta esfinge, tu perere
Sombra errarás absurda,
Buscando o que não deste.
Leila Míccolis - Fui eu
Reflexão
Fui eu quem lhe deu, feroz,
uma paixão tão voraz,
que fora dela, rapaz,
nenhum espaço sobrou.
Fui eu quem lhe deu a corda
com que você se enforcou?
Fui eu quem lhe deu, feroz,
uma paixão tão voraz,
que fora dela, rapaz,
nenhum espaço sobrou.
Fui eu quem lhe deu a corda
com que você se enforcou?
Camilo Pessanha - Vida
Choveu! E logo da terra humosa
Irrompe o campo das liliáceas.
Foi bem fecunda, a estação pluviosa!
Que vigor no campo das liliáceas!
Calquem. Recal-quem, não o afogam.
Deixem. Não calquem. Que tudo invadam.
Não as extinguem. Porque as degradam?
Para que as calcam? Não as afogam.
Olhem o fogo que anda na serra.
É a queimada... Que lumaréu!
Podem calcá-lo, deitar-lhe terra,
Que não apagam o lumaréu. Deixem!
Não calquem! Deixem arder.
Se aqui o pisam, reben-ta além.
- E se arde tudo? - Isso que tem?
Deitam-lhe fogo, é para arder..
Antero de Quental - Noturno
spírito que passas, quando o vento
Adormece no mar e surge a Lua,
Filho esquivo da noite que flutua,
Tu só entendes bem o meu tormento...
Como um canto longínquo - triste e lento-
Que voga e sutilmente se insinua,
Sobre o meu coração que tumultua,
Tu vestes pouco a pouco o esquecimento...
A ti confio o sonho em que me leva
Um instinto de luz, rompendo a treva,
Buscando. entre visões, o eterno Bem.
E tu entendes o meu mal sem nome,
A febre de Ideal, que me consome,
Tu só, Gênio da Noite, e mais ninguém
Mário de Sá-Carneiro - Distante Melodia
Num sonho de Íris morto a oiro e brasa,
Vem-me lembranças doutro Tempo azul
Vem-me lembranças doutro Tempo azul
Que me oscilava entre véus de tule -
Um tempo esguio e leve, um tempo-Asa.
Então os meus sentidos eram cores
Então os meus sentidos eram cores
Nasciam num jardim as minhas ânsias,
Havia na minha alma Outras distâncias -
Distâncias que o segui-las era flores...
Caía Oiro se pensava Estrelas,
O luar batia sobre o meu alhear-me...
- Noites-lagoas, como éreis belas
Sob terraços-lis de recordar-me!...
Idade acorde de Inter-sonho e Lua,
Onde as horas corriam sempre jade,
Onde a neblina era uma saudade,
E a luz - anseios de Princesa nua...
Balaústres de som, arcos de Amar,
Pontes de brilho, ogivas de perfume...
Domínio inexprimível de Ópio e lume
Que nunca mais, em cor, hei-de habitar...
Tapetes de outras Pérsias mais Oriente...
Cortinados de Chinas mais marfim...
Áureos Templos de ritos de cetim...
Fontes correndo sombra, mansamente...
Zimbórios-panteões de nostalgias,
Catedrais de ser-Eu por sobre o mar...
Escadas de honra, escadas só, ao ar...
Novas Bizâncios-Alma, outras Turquias...
Lembranças fluidas...
Cinza de brocado...
Irrealidade anil que em mim ondeia...
- Ao meu redor eu sou Rei exilado,
Vagabundo dum sonho de sereia...
Bocage - O céu, de opacas sombras abafado
O céu, de opacas sombras abafado,
Tornando mais medonha a noite fea,
Mugindo sobre as rochas, que saltea,
O mar, em crespos montes levantado;
Desfeito em furacões o vento irado;
Tornando mais medonha a noite fea,
Mugindo sobre as rochas, que saltea,
O mar, em crespos montes levantado;
Desfeito em furacões o vento irado;
Pelos ares zunindo a solta area;
O pássaro nocturno, que vozea
No agoireiro cipreste além pousado;
Formam quadro terrível, mas aceito,
Mas grato aos olhos meus, grato à fereza
Do ciúme e saudade, a que ando afeito.
Quer no horror igualar-me a Natureza;
Porém cansa-se em vão, que no meu peito
Há mais escuridade, há mais tristeza
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